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Governador petista do Ceará sucumbe à pressão dos defensores dos agrotóxicos

Por Ana Aranha e Adriana Amâncio — Repórter Brasil

O governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT), conhecido por ser coautor da primeira lei estadual que proíbe a aplicação aérea de agrotóxicos, surpreendeu ao ceder ao lobby do agronegócio. Na última sexta-feira (6), ele anunciou apoio à liberação de drones para pulverizar lavouras.

Freitas, que já foi advogado popular do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), comprometeu-se a sancionar essa medida ainda este ano. Para isso, ele mobilizou deputados da sua base para votar em projetos parados na Assembleia Legislativa.

Durante o anúncio, o governador afirmou que a segurança prometida pela tecnologia dos drones o convenceu. Ele argumentou que, teoricamente, os drones são mais precisos e proporcionam maior proteção ao trabalhador, ao meio ambiente e às comunidades. No entanto, dados obtidos pela Repórter Brasil contestam essa teoria.

Somente este ano, 214 comunidades no Maranhão denunciaram contaminações por agrotóxicos aplicados por drones. Esses casos representam 94% de todas as denúncias de pesticidas coletadas pela Fetaema, pela Rama e pelo Laboratório de Extensão, Pesquisa e Ensino de Geografia da Universidade Federal do Maranhão.

“São gestantes que passaram mal, pessoas com coceira, náusea, feridas. Trabalhador rural que perdeu a roça, que teve de correr pra não tomar banho de veneno”, relata Ariana Gomes da Silva, secretária Executiva da Rama.

Contaminações no Ceará

O Ceará vem enfrentando situações semelhantes. Comunidades próximas às lavouras flagraram drones pulverizando agrotóxicos, em violação à lei estadual. As aplicações ocorrem à noite, dificultando a fiscalização.

Denúncias foram direcionadas a uma das maiores exportadoras de frutas do Brasil, a Agrícola Famosa. Segundo a lista das Maiores empresas do Agro Forbes, a receita da empresa foi de R$ 880 milhões em 2022, com principal mercado na Europa.

Vídeos mostrando drones sobrevoando a fazenda foram enviados anonimamente ao gabinete do deputado estadual Renato Roseno (Psol), principal autor da lei, e repassados à Polícia Ambiental do estado.

Quando policiais visitaram a fazenda em Limoeiro do Norte, em outubro de 2023, o coordenador técnico negou o uso de drones. A polícia não encontrou o equipamento. “Eles são facilmente desmontáveis, cabem na caçamba de uma picape, não são rastreados, é fácil esconder”, comenta o deputado.

Agrícola Famosa afirmou que “nenhuma irregularidade foi constatada no local e não houve lavratura de auto de infração”. Eles também declararam não usar drones no Ceará. Leia a manifestação na íntegra.

Outro vídeo flagrou um drone em operação à noite, supostamente borrifando agrotóxicos em uma plantação de bananas da Imperial Agroindústria, próxima a residências. A Polícia Ambiental ainda não respondeu às denúncias encaminhadas pelo gabinete do deputado. O espaço segue aberto.

A equipe da Repórter Brasil experimentou as consequências da violação da lei ao investigar denúncias na região. Ao viajar entre duas grandes produtoras de bananas, sentiu um forte cheiro de produto químico, resultando em tontura e mal-estar. A equipe precisou buscar atendimento médico, confirmando as denúncias dos moradores e evidenciando os riscos do uso de drones.

Reações e Preocupações

Pesquisadores e ativistas manifestaram preocupação após o anúncio do governador, considerando a lei cearense um marco. Entre as organizações que apoiam a manutenção da lei estão a Fiocruz e a Abrasco.

“Mesmo em condições ‘ideais’, ainda não há acúmulo científico suficiente sobre o uso de drones para garantir proteção das comunidades e rios do entorno”, diz Fernando Carneiro, pesquisador da Fiocruz no Ceará.

A falta de pesquisas sobre o uso de drones na agricultura levou a União Europeia a proibir a prática. A França, por alguns anos, permitiu o uso experimental em lavouras com alto declive. Porém, o grupo criado pelo governo concluiu que ainda não há evidências suficientes para garantir segurança, resultando na retomada da proibição.

Estudos iniciais na China e nos Estados Unidos, onde a prática é autorizada, apontam dificuldades em alcançar a precisão prometida. Para atingir o “alvo”, é necessário controlar a velocidade do vento, a altura do drone e o ângulo dos jatos. Experimentos financiados pela Chinese Society of Agricultural Engineering mostram que até 55% do volume aplicado por drones pode se dissipar para o entorno.

O cenário nacional, com aumento de casos no Maranhão, indica que “há pessoas não qualificadas operando drones e causando contaminações”, avalia o pesquisador da Fiocruz.

Histórico de Lutas e Desafios

A lei contra pulverização aérea tem importância especial no Ceará. Em 2010, um líder rural que denunciou a contaminação por agrotóxicos foi assassinado em um crime sob encomenda. José Maria Filho liderava um movimento que levou à proibição da prática na Câmara Municipal de Limoeiro do Norte. Após o crime, a lei foi alterada e os aviões agrícolas voltaram a operar.

Oito anos depois, a lei estadual foi aprovada e batizada popularmente de “Lei Zé Maria do Tomé”. Após sua morte, nasceu o Movimento 21, composto por ativistas, cientistas, médicos, advogados e padres que continuam a monitorar e denunciar contaminações.

Entre os que seguem os passos de José Maria, está sua filha, Marcia Xavier, diretora do Ceresta (Centro de Referência em Saúde do Trabalhador e Saúde Ambiental), premiada pelo Ministério da Saúde por monitorar a saúde de trabalhadores e comunidades rurais.

“Me preocupo porque, para operar um drone, basta fazer um curso à distância”, afirma Marcia, ressaltando que a atual regulação permite aplicações a apenas 20 metros de comunidades ou escolas.

“É uma decepção ver o governador, que esteve aqui conosco e se comprometeu contra a pulverização aérea, negando sua própria história”, critica Reginaldo Ferreira de Araújo, ativista do Movimento 21. “Mas não vamos desistir, vamos lotar a galeria da Assembleia Legislativa nos dias da votação. Nosso compromisso com Zé Maria é firme”.

* Colaborou Hélen Freitas

Fonte: https://iclnoticias.com.br/governador-cede-ao-lobby-dos-agrotoxicos-ceara/

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