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Importância de pesquisar e ensinar objetos antigos

Foto: divulgação

[![Jean Pierre Chauvin, articulista](https://jornal.usp.br/wp-content/uploads/2023/05/chapeu_articulista_jean-pierre-chauvin.jpg)](https://jornal.usp.br/wp-content/uploads/2023/05/chapeu_articulista_jean-pierre-chauvin.jpg)

Dedicado a Gustavo Borghi

“A vida, em sua infinita montanha-russa, nos confronta com seus ciclos de altos e baixos, de fases mais calmas seguidas por tempestades. É da coragem que ela demanda dos seres que a vivenciam.” Assim falava João Guimarães Rosa, em “Grande Sertão: Veredas”.

Posso dizer que, em questões específicas, sou influenciado pelas ideias de Marcuse, porém, em diversos outros pontos, sou irremediavelmente otimista. Por exemplo, sinto que o interesse por estudos sobre a convivência na corte e o desenvolvimento intelectual no período do Brasil Colônia (séculos XVI a XVIII) entrou em declínio recentemente. Em contraste, entre as décadas de 1990 e 2010, vimos luminares como João Adolfo Hansen, na USP, e Alcir Pécora, na Unicamp, treinando gerações de especialistas notáveis no Brasil, alguns dos quais tive a única alegria de chamar de colegas e amigos desde que iniciei minha jornada como professor de Cultura e Literatura Brasileira na Editoração da Escola de Comunicações e Artes da USP, em 2014.

Há, sem dúvida, uma diáspora de acadêmicos dedicados a esses estudos que parece isolada pelo Brasil, mas uma grande parte se mantém firme na pesquisa desses importantes campos, buscando despertar o interesse de seus alunos e interligá-los a outras áreas igualmente importantes, fundamentadas nos estudos humanitários – como retórica, poesia, etica, e história.

Por viver sob a execução da impossibilidade de desvendar os recônditos pensamentos e sentimentos alheios, me vejo comprometido, por escolha própria, com a missão de enriquecer o conhecimento e aperfeiçoar a expressão, a fim de tornar as discussões sobre a era colonial mais envolventes e atrair novos olhares para campos como retórica, poética e as didáticas da cortesia. Nessa trajetória, me imponho a constante autocritica, promovo edições diversificadas de obras e incito meus alunos, seja na graduação ou pós-graduação, a explorarem as riquezas dos documentos literários e, em paralelo, entenderem o pensamento, a racionalidade e a perspectiva de mundo que os envolve.

Posso parecer ingênuo, mas acredito genuinamente que não é permitido a mim mostrar-me desencorajado perante qualquer autor, obra ou período da história, por mais esgotado que me sinta. Este posicionamento tem despertado o interesse de alunos particularmente inclinados à literatura como um todo, que começam a perceber valor em se debruçar sobre esses tratados, cártulas, sermonários, crônicas e poesias – principalmente aqueles que suspeitam que as convenções sociais são, de fato, determinantes, superando a individualidade contemporânea.

Cada época histórica possui suas particulares maneiras de conceber e concretizar a arte. A verdadeira ingenuidade, a meu ver, consiste em negar que nossas relações pessoais, a moda e os métodos de comunicação são profundamente influenciados pelas convenções, mesmo vivendo uma cultura marcada pelo instantaneísmo e pela superficialidade, promovida pelas plataformas digitais. Portanto, nós, que nos dedicamos a desvendar as relíquias do passado, enfrentamos notáveis desafios, muito devido à visão utilitarista e normatizadora promulgida por algumas instâncias de apoio à pesquisa. É compreensível, até mesmo, que alguns colegas se conformem a tais métricas, sem submetê-las a críticas.

Contudo, é igualmente desolador observar momentos em que outras vozes, dotadas de conhecimentos divergentes, questionam nossa dedicação a esses períodos históricos. Ceder a tal narrativa simplista, que ecoa desapontamento, pragmatismo e uma ideologia de competição, significa renunciar a nós mesmos e às nossas áreas de atuação – que deveriam ser fontes de dignidade, orgulho e endurance.

Aceitar a lógica de que devemos abandonar esses (e outros) estudos seria o mesmo que conceder a vitória à educação meramente pragmática e orientada ao mercado. Resistir a esse modelo, por outro lado, inclui não apenas enfrentar os desafios de ingresso no meio acadêmico, mas também reconhecer que a decepção pessoal não equivale à falência do campo de interesse.

É notório que a categoria docente não é conhecida pela sua unidade ou coesão. Nesse cenário de exaltação do ego e incapacidade de diálogo, teríamos muito a ganhar se compartilhássemos nossos conhecimentos e experiências, fortalecendo a conexão entre colegas e estabelecendo redes de estudo colaborativas.

“Vossa mercê, observe”: a união se faz necessária – algo que nem sempre conseguimos no passado. Comparar as nossas áreas de interesse sem reconhecer as vastas perspectivas que oferecem é diminuir o nosso próprio valor. Estudar os velhos textos não é somente um exercício acadêmico, mas também um meio de conectar o passado ao presente, de maneira especial no contexto luso-brasileiro. Afinal, quando cessará a necessidade de explicar a relevância de explorar práticas antigas? Desde quando essa dedicação nos rotula como conservadores ou reacionários?

Vamos, portanto, intensificar nossos esforços para envolver as novas gerações nessa jornada de descoberta, mobilizando grupos de pesquisa e ampliando o diálogo entre professores de diferentes lugares. Não estamos destinados a formar especialistas em demasia, que negligenciam a importância dos estudos e interações sociais que antecederam o seu tempo.

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(As posições expressas pelos articulistas do Jornal da USP são de sua inteira responsabilidade, não refletindo as visões do jornal nem stances institucionais da Universidade de São Paulo. Confira nossas diretrizes editoriais para textos opinativos [aqui](https://jornal.usp.br)).

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