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Naturalização de ChatGPT e similares como fontes jornalísticas representa ameaça ao jornalismo

Foto: divulgação

Elizabeth Saad e João Pedro Malar – especial para o Jornal da USP
 

Elizabeth Saad – Foto: Arquivo pessoal da autora
João Pedro Malar – Foto: Linkedin

 
A inteligência artificial (IA) tem sido focalizada em várias discussões, notavelmente aquelas sobre seu papel como recurso adicional no panorama jornalístico. Gigantes das mídias, projetos alternativos e acadêmicos exploram como capitalizar na tecnologia para melhorar o processo de produção de notícias e a distribuição de informações fiáveis ao público.
Neste contexto, percebemos que estamos cobrindo mais um salto na trajetória digital de nossas sociedades, constituindo um passo adicional na embricação das mídias digitais para enriquecer o jornalismo.
Argumentamos que as facetas oferecidas pela IA generativa representam um recurso secundário ao time editorial, destacando que soluções como o aclamado ChatGPT não representam a resposta última para o avanço profissional ou como meio de atrair públicos.
Neste panorama, observações recentes sugerem que tal abordagem pode ser redutiva.
Um exemplo concreto é a matéria da Folha de S.Paulo de 25 de junho, intitulada “Extremismo” de Boulos e “controvérsias” de Nunes; o que a IA diz sobre pré-candidatos em SP, que enseja uma reflexão sobre o uso da IA generativa por veículos de mídia de ponta. Que normas norteiam o emprego da IA em redações influentes como a da Folha?
Este texto se alinha a uma sequência de pautas similares que suscitam questionamentos sob a perspectiva da pesquisa, mínimo dito. O periódico sugere que seria válido revelar as percepções do ChatGPT sobre os candidatos, numa tentativa de aproximar-se do influxo juvenil em busca de diversidade informativa, incluindo “chatbots” e o TikTok entre essas novas escolhas. Questiona-se: poderia o ChatGPT ser percebido como uma fonte inovadora de notícias pelos mais jovens?
No entanto, dados suficientes sobre a eficácia dos chatbots de IA generativa, como o ChatGPT, enquanto fornecedores de notícias, são escassos. Um estudo do Reuters Institute realizado em maio de 2024 identificou que entre 12 mil entrevistados de seis nações – Argentina, Dinamarca, Japão, França, EUA e Reino Unido – somente 5% utilizam tais ferramentas para se atualizarem, enquanto 11% as empregam na busca por respostas factuais.
Desse modo, a adequação dessas ferramentas como veículos de notícia é, por ora, questionável. Contudo, a defesa apresentada pela Folha não persiste ao decorrer do artigo. Faltam explicações do porquê o ChatGPT é inadequado como fonte, seja pelos erros de informação denominados “alucinações”, seus vieses inerentes, a falta de divulgação das origens das suas respostas, ou pelo fato básico de não ter sido projetado para tal fim.
A prática de “entrevistar” IA generativa e compartilhar as informações sem crítica é recorrente desde o início de 2023. Ainda que, anteriormente, tal conteúdo gerasse grande interesse, atualmente a situação se alterou significativamente.
Portanto, o entrave ultrapassa a matéria em discussão ou o órgão de imprensa responsável, abarcando a maneira como o jornalismo aborda a IA generativa.
Crucialmente, o jornalismo deve esquivar-se de práticas ilusórias visando recuperar audiência. Independentemente da continuação em publicar conteúdos de alta qualidade, a “entrevista” com IA sem a devida contextualização poderia comprometer a credibilidade do veículo. Tal estratégia, enquanto potencialmente lucrativa, risco danificar profundamente a imagem institucional.
Além disso, ao evitar uma abordagem crítica sobre o papel do ChatGPT como fonte informativa, o artigo incide em uma falha jornalística e conceitual. Por que não direcionar o foco para as falhas dessa aplicação? Comparar as respostas de IA especializadas, ainda que imperfeitas, como o Gemini do Google ou o Copilot da Microsoft, mostraria uma abordagem mais rigorosa.
Erramos ao naturalizar certas ferramentas de IA generativa como fontes informativas válidas, uma postura que deve ser cautelosamente reconsiderada, especialmente em uma era marcada pela descrença do público e a polarização de ideias.
A estratégia adotada também apresenta falhas mercadológicas graves. Conforme o Digital News Report do Reuters Institute, a população está cada vez mais acessando informações através de canais não jornalísticos, enfraquecendo o alcance e as receitas do setor. Seria sensato endossar mais um canal informativo não jornalístico, ou que redistribui conteúdo jornalístico sem o devido crédito ou compensação?
A IA generativa possui suas utilidades, contudo, não é a solução orâmega. O fundamental para o jornalismo consiste em expor e explicar tais nuances, garantindo assim a manutenção da integridade e relevância tanto do veículo quanto do setor jornalístico enquanto entidade social essencial.
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(As opiniões expressas nos artigos publicados no Jornal da USP são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem opiniões do veículo nem posições institucionais da Universidade de São Paulo. Acesse aqui nossos parâmetros editoriais para artigos de opinião.)

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